A dor odontológica é uma das principais preocupações de pacientes e profissionais de saúde. A cannabis medicinal, quando utilizada de forma responsável e com prescrição adequada, pode atuar como uma ferramenta complementar no manejo da dor, ajudando a reduzir desconfortos durante procedimentos odontológicos e no pós-operatório.
Além disso, aspectos como via de administração, dosagem individualizada e tecnologia de formulação são fundamentais para garantir segurança, consistência e confiabilidade no cuidado clínico. No consultório, isso significa oferecer aos pacientes alternativas integradas e baseadas em evidência, sempre alinhadas às melhores práticas odontológicas e ao acompanhamento profissional.
Como a dor odontológica se desenvolve e por que ela exige estratégias eficazes de controle
A dor odontológica pode ter múltiplas origens, como inflamação pulpar, trauma, infecção, procedimentos cirúrgicos, bruxismo, disfunção temporomandibular (DTM) e condições periodontais. Em muitos casos, ela envolve mecanismos combinados de dor inflamatória e nociceptiva, podendo evoluir para sensibilização periférica ou até central quando não é tratada adequadamente.
Estudos mostram que a inflamação desempenha papel central nesse processo, liberando mediadores como prostaglandinas, citocinas e substâncias algogênicas que sensibilizam os nociceptores das fibras trigeminais. Isso foi amplamente discutido por Rabinowitz & Nair (2019) ao abordar os mecanismos inflamatórios relacionados à dor orofacial.
Portanto, controlar o processo inflamatório, modular o estímulo doloroso e otimizar o conforto do paciente não é apenas uma questão de qualidade de atendimento, mas de prevenção de complicações e melhora do resultado clínico.
Como os canabinoides atuam no organismo e por que eles interessam à odontologia
O sistema endocanabinoide (SEC) está presente em diversas estruturas orofaciais, incluindo gengiva, glândulas salivares, fibras nervosas sensoriais e células imunológicas. Seus receptores,principalmente CB1 e CB2, regulam dor, inflamação, imunidade e resposta ao estresse tecidual.
Os canabinoides da planta, especialmente CBD e THC, podem modular essas vias por diferentes mecanismos:
- CBD reduz mediadores inflamatórios, regula a excitabilidade neuronal e apresenta efeitos ansiolíticos que podem beneficiar pacientes com ansiedade odontológica. Estudos como os de Burstein (2015) confirmam o potente potencial anti-inflamatório do CBD.
- THC interage diretamente com receptores CB1, modulando a percepção dolorosa. Pesquisas como a de Naef et al. (2003) mostram seu papel analgésico em condições de dor aguda e crônica.
- Ambos demonstram propriedades antioxidantes, neuroprotetoras e moduladoras da resposta imune.
Essa combinação de efeitos explica por que a cannabis medicinal tem sido explorada em diversas áreas da saúde, e por que ela começa a aparecer como ferramenta complementar na prática odontológica.
Evidências científicas que apoiam o uso de canabinoides em dor orofacial e inflamação
Vários estudos já apontam o potencial dos canabinoides para condições relacionadas à dor orofacial e inflamação, incluindo:
- Klein (2005) observou que canabinoides modulam respostas imunológicas e reduzem a liberação de citocinas, sugerindo efeitos benéficos em processos inflamatórios da cavidade oral.
- Nakamura et al. (2020) documentaram que receptores canabinoides estão presentes em tecidos periodontais, abrindo espaço para o estudo de CBD em inflamação periodontal.
- Em modelos animais, Akopian et al. (2009) demonstraram que canabinoides diminuem a excitabilidade de neurônios trigeminais — fundamentais na percepção da dor odontológica.
- O estudo clínico de Cooper et al. (2018) mostrou que o CBD possui efeitos ansiolíticos, o que pode ser útil em pacientes que demonstram forte ansiedade durante procedimentos odontológicos.
Onde a cannabis pode atuar na rotina odontológica?
Com o acompanhamento profissional adequado, a cannabis medicinal pode ser considerada como ferramenta complementar em diferentes contextos da prática odontológica:
- Manejo da dor aguda e pós-operatória
Intervenções como exodontias, cirurgias periodontais, implantes e raspagens profundas podem desencadear dor intensa. A modulação inflamatória e o efeito analgésico dos canabinoides podem ajudar a reduzir desconfortos nas primeiras horas e dias após o procedimento.
- Dor crônica orofacial
Condições como DTM, neuralgia trigeminal, dor miofascial e bruxismo possuem componente sensitivo e inflamatório que pode ser amortecido pela ação dos canabinoides, como sugerido por estudos experimentais sobre modulação do sistema trigeminal.
- Ansiedade odontológica
O CBD apresenta evidências consistentes de ação ansiolítica moderada, tornando-se um aliado para pacientes que evitam tratamentos por medo, como observado no estudo de Bergamaschi et al. (2011).
- Processos inflamatórios da cavidade oral
A ação reguladora do CBD sobre células imunológicas pode auxiliar em processos inflamatórios moderados, como gengivites e pós-operatórios periodontais (com uso sempre integrado ao tratamento convencional).
Essas aplicações reforçam que a cannabis não substitui tratamentos tradicionais, mas pode se integrar a eles para oferecer conforto adicional e melhor experiência clínica.
A importância da via de administração e da formulação na eficiência terapêutica
A escolha da formulação faz enorme diferença nos resultados clínicos. Na odontologia, vias que facilitam absorção rápida ou previsível podem ser mais vantajosas, especialmente antes de procedimentos ou no controle da dor aguda.
A literatura mostra que:
- Óleos tradicionais têm absorção lenta e variável (Millar et al., 2018).
- Nanoemulsões e tecnologias avançadas podem aumentar a biodisponibilidade, como demonstrado por Zgair et al. (2016).
- Formas sublinguais favorecem absorção direta e rápida para a corrente sanguínea.
Assim, a atuação do dentista e do prescritor deve incluir a escolha da tecnologia mais adequada para o objetivo terapêutico, seja controle de ansiedade pré-procedimento, manejo de dor pós-operatória ou suporte em inflamação crônica.
Uso responsável e integrado: a chave para segurança e resultados previsíveis
Para que a cannabis medicinal faça sentido na odontologia, ela deve ser utilizada com responsabilidade, prescrição individualizada e total integração com o plano de tratamento odontológico. Isso inclui:
- Avaliar histórico clínico, medicamentos em uso e possíveis interações;
- Definir formulação e via de administração adequadas;
- Observar o tempo ideal de uso (antes ou depois do procedimento);
- Acompanhar evolução e ajustar conforme necessário.
Essa abordagem integrada garante que o paciente receba o melhor de ambos os mundos: a precisão da odontologia moderna e o potencial terapêutico dos canabinoides.
A cannabis medicinal representa uma oportunidade valiosa para ampliar as estratégias de manejo da dor e inflamação na odontologia, sem substituir tratamentos essenciais, mas oferecendo suporte adicional baseado em ciência, segurança e individualização.
À medida que mais estudos avançam e mais profissionais se capacitam, torna-se possível integrar de forma responsável essa ferramenta terapêutica ao cuidado clínico, oferecendo aos pacientes maior conforto, bem-estar e qualidade de vida em cada etapa do tratamento odontológico.